Escolha ser feliz
Muito se fala de felicidade. É prometida como o desfrute final de todas
as religiões para àqueles que nelas crêem e garantida por toda a propaganda nas
emissoras de rádio, canais de televisões, vendedores e outdoors em todas as
línguas por todo o mundo. Tanto mais se fala dela quanto mais distante nos
parece. Sentimento, sensação ou experiência que permeia todos os sonhos
humanos, é ao mesmo tempo tangível e inacessível. Refutamos as experiências que
nos afastam dela e procuramos, quase obsessivamente, reprisar aquelas que nos
proporcionaram alguns instantes desta impressão inesquecível, transcendental e,
no entanto, excessivamente volátil.
Afinal o que é a felicidade? Iniciemos pelo que nos diz o Dicionário
Houaiss: qualidade ou estado de feliz; estado de uma consciência plenamente
satisfeita; satisfação, contentamento, bem-estar. Gosto dela. Aproxima-se
bastante daquilo que desfrutamos. Porém, como existem muitos significados para
o termo, ouso colocar aqui a minha colher e sugerir que definamos felicidade
como o estado neurofisiológico desencadeado pelo psiquismo quando identificamos
que nada nos falta, que estamos momentaneamente completos.
Uma curiosidade: muitas das vezes em que somos possuídos por esta
felicidade, é tal a sensação de satisfação, de preenchimento em si mesmo, de
auto-suficiência que a possibilidade de morrermos naqueles instantes não nos
assusta. Fica a impressão de que o medo do fim da vida é proporcional ao quanto
não conseguimos transformar nossos sonhos mais profundos em realidade, na
maneira como deixamos nossa marca no mundo e nas pessoas que amamos.
No entanto, me parece que a felicidade está mais presente em nossas
vidas do que alcançamos apreender. Suspeito que o principal motivo é o modelo
estereotipado hollywoodiano que absorvemos desde crianças. Quando nossas
experiências cotidianas de felicidade nos surgem, não se assemelham ao padrão
introjetado na memória inconsciente e aí ficamos impossibilitados de
identificá-las.
De qualquer maneira, os momentos de felicidade são definitivamente
finitos. Ou seja, não duram para sempre. São permeados por outras situações que
incluem diferentes coeficientes de insensibilidade, sofrimento, alegria,
euforia e outras tantas sensações com que convivemos desde o nascimento até a
última respiração.
Portanto, poderíamos dizer que uma pessoa é tanto mais feliz quanto a
sua habilidade em realizar escolhas inteligentes que lhe desencadeiem em uma
quantidade diária maior destes estados neurofisiológicos de plenitude.
E quais seriam essas escolhas superlativas? A seguir relaciono algumas
segundo os pontos de vista deste autor, e que em nenhum momento ousariam e
pretenderiam representar a verdade sobre a felicidade. São apenas pontos de
partida, meras sugestões para uma felicidade mais possível, humana e viável.
Poderíamos dizer que uma felicidade com tendência ao concreto.
1. um corpo saudável, pois afinal sem um corpo, a experiência
existencial não é possível e se ele não for saudável, esta será a maioria do
tempo desagradável e sofrida. Até conhecem-se pessoas que conseguem ser muito
felizes apesar de grandes sofrimentos físicos, mas é exceção à regra. Corpos
saudáveis liberam uma quantidade enorme de serotonina e outros
neurotransmissores, gerando muita felicidade bioquímica;
2. estabilidade econômica, que se constitui naquilo que o DeRose definiu
muito sabiamente como riqueza: ter-se mais do que se precisa. Para alguns, esta
riqueza significa uma pequena casa, um emprego e um cachorro. Para outros, o
iate Laura, do rei Roberto Carlos ainda não seria o suficiente. Não importam os
valores, pois são diferentes para cada ser humano. O importante é que se
consiga encontrá-los;
3. faça shirshásana diariamente. Constitui-se em inverter a posição do
corpo, apoiando o alto da cabeça no chão e colocando os pés e as pernas para
cima, de maneira a irrigar concentradamente o encéfalo, popularmente conhecido
por cérebro. Além de prevenir síndromes como a de Parkinson e Alzhaimer,
estimula a quantidade de sinapses nervosas simultâneas, promovendo a criatividade,
intuição e inovação; além de irrigar os lóbulos corticais, principalmente o
esquerdo. Pessoas que o instigam, são pessoas que solucionam mais rapidamente
os problemas cotidianos, refazendo rapidamente a homeostase psico-orgânica, ou
seja, felicidade instantânea.
4. cultive o hábito de fazer escolhas responsáveis. Uma pesquisa foi
realizada com um grupo de anciões com mais de oitenta anos num asilo. Foram
divididos em dois grupos-experimentos de dez indivíduos, aos quais eram cedidos
diariamente filmes, dieta e atividades de lazer variados. A diferença era que
um dos grupos podia optar enquanto o outro tinha que aceitar as sugestões
impostas pelos pesquisadores. No final de algum tempo o índice de doenças e
mortes era significativamente menor entre aqueles que podiam eleger. Escolher
estimula a percepção da liberdade individual e esta aumenta o prazer de viver
fortalecendo os mecanismos de preservação biológica.
5. viva uma vida sexual plena, seja o que isto signifique para você. O
mundo é cada dia mais pansexual. O leque de opções sexo-comportamentais é muito
grande: heterossexual, homo ou bissexual. E ainda pode se combinar com um, dois
ou muitos parceiros. Ou até nenhum! Observe-se depois de um relacionamento
sexual mutuamente satisfatório. A sensação é de plenitude. De satisfação plena.
Ou seja: felicidade! É o justo prêmio que a natureza lhe proporciona por estar
preenchendo os desígnios biológicos para os quais foi criado. O que não ajuda a
ser mais feliz é reprimir o instinto sexual. Porem, educá-lo e refina-lo sim. É
possível e desejável, de maneira a acordar em nós outras sensações ligadas a
uma sexualidade plena, de que todo ser humano tem direito. E, não obstante a
História humana ser eivada de autênticos santos que atingiram um estado particular
de felicidade através de transes místicos e que para atingi-los abriram mão da
sexualidade, seres humanos normais não nascem com esta predisposição e, assim
sendo sofreriam muito se adotassem o celibato;
6. estabilidade relacional, que para alguns é encontrada num casamento
monogâmico. Para outros somente se compreender mais de um parceiro fixo. E
ainda alguns que atingem a estabilidade com muitos parceiros. E vamos incluir
também os celibatários nesta lista que parece não ter fim. Mais uma vez, cada um
deve procurar um modelo que lhe satisfaça plenamente. E se precisar,
experimentar até descobri qual é o seu padrão. E lembre-se que este inventário
de vínculos abarca também amigos verdadeiros, confiáveis e cúmplices. Hoje se
sabe que casamentos estáveis são aqueles nos quais os cônjuges também são
grandes amigos. O que realmente importa é se construir uma rede de relações
duradouras e onde se possa encontrar ressonância para repartir os bons e maus
momentos, ou seja, a curta e fascinante aventura que é viver;
7. vida com significância, no sentido de identificar o seu valor e
aplicá-lo no mundo através de uma atuação social que tenha importância, que
faça alguma diferença, modificando e melhorando o mundo e a espécie pela nossa
atuação particular. Curiosamente, independe da profissão. Afinal, qualquer
atividade laboral, seja qual ela qual for, é importante. O que estamos falando
é do coeficiente de conexões que o indivíduo consegue identificar entre a sua
performance laboral e a realidade que o cerca. Quanto mais acoplamentos,
interconectividades simultâneas o indivíduo conseguir perceber, mais
significância e felicidade genuína extrairá do seu trabalho.
Vislumbre-se incorporando estas cinco escolhas comportamentais. Você
concorda comigo que a vida fica mais fácil e prazerosa? E refletindo bem, é só
começar. Objetivamente, nada nem ninguém sabota nossos desejos. Errando e
acertando, em algum momento, inevitavelmente, nos aproximaremos destes padrões
ou outros que cada um definirá como prioritários. A felicidade não tem uma
fórmula única. Porém, devemos e podemos procurar a nossa maneira de
encontrá-la. Conscientes da sua volatilidade e inconstância, porém também da
nossa meritocracia em desfrutá-la pelo maior tempo e quantidade de vezes
possível. E que, definitivamente só depende de nossas escolhas.
Joris Marengo
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